20 abril 2008

Delmiro Golveia

Ele exportava peles de bode para a moda de Nova Iorque um século antes de se ouvir falar por aqui no tal do mundo "fashion". Em 1913, plugou a caatinga na tomada, ao inaugurar a primeira usina elétrica do país. Os primeiros carros que assombraram os matutos, a fábrica, a terra irrigada, a patinação de rolamento, o cinema, o conhecimento do gelo. Tudo obra de Delmiro Gouveia (1863-1917), cearense que idealizou uma região onde a agricultura combinada à tecnologia de ponta faria até chover.

Os rastros de Delmiro, raquítico menino do mato que se fez grande empresário no Recife, estão espalhados e ajudam no combate à miséria da nação semi-árida por todos os cantos do Nordeste. Como em Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), onde modernas técnicas de irrigação fazem daquela beirada do rio São Francisco um dos maiores pólos exportadores de frutas do país. Isso sem falar na verdade que está no vinho fino, sempre acompanhado de queijo de cabra, também fabricado por lá.

Encruzilhada de todos os sertões, Petrolina e Juazeiro juntam-se a outras ilhas de caatinga hightec, como Campina Grande (PB), que exporta softwares até para a China, e Sobral, na região da Ipu (CE) onde nasceu Delmiro, que surge com moderna indústria de calçados.

As coisas não correram com a marca do "avexamento" que o empreendedor cearense imaginava, mas as suas iniciais DM _ em estilo rococó _, como no seu ferro de gado, revelam-se a cada projeto de desenvolvimento dos sertões.

Na cidade alagoana batizada com o seu nome, antigo povoado de Pedra, a 300 km de Maceió, a Companhia Agro Fabril Mercantil (fundada em 1914), a primeira na América do Sul a fabricar linhas para costura e fios para malharia, emprega hoje 620 funcionários. Foi reaberta em 1992 pelo grupo Carlos Lyra, 62 anos depois do seu maquinário original ter sido atirado em um penhasco do rio São Francisco. Um grupo escocês comprou a empresa para destruí-la, livrando-se da concorrência no ramo.

O município de Delmiro Gouveia tem 19.462 habitantes. A mesma fábrica já chegou a empregar mil pessoas, durante os primeiros anos de funcionamento. Os operários tinham jornada de oito horas, além de moradia, creche, escola e assistência médica gratuitas. Inovações do empresário, no começo do século passado, que ainda hoje não vingaram no mapa do Brasil mais arcaico.

O poeta sertanejo Raimundo Pelado assim descreve os feitos do empreendedor: "Quando Delmiro chegou,/naquele triste lugar,/ aquilo era deserto/ de ninguém querer morar,/não tinha casa nem gente,/ nem estrada pra passar"

A peleja épica continua com os versos de Virgílio Gonçalves de Freitas: "Foi o grande Delmiro Gouveia/ que evangelizou o sertão/ que matava a fome alheia/ abrindo as portas à redenção".

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